A contratação de obras e serviços de engenharia frente a Lei n.° 10.520/2002
- Vinicius Brandalise
- 23 de abr. de 2018
- 5 min de leitura
O artigo 1º da Lei nº 10.520/02 autoriza a utilização do pregão para a contratação de bens e serviços comuns. Leia-se: “Para aquisição de bens e serviços comuns, poderá ser adotada a licitação na modalidade de pregão, que será regida por esta Lei”.
Em seguida, o parágrafo único do mesmo artigo 1º define "bem e serviço comum": “Consideram-se bens e serviços comuns, para os fins e efeitos deste artigo, aqueles cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais no mercado”.
Destarte, os permissivos legais citados permitem que o pregão seja utilizado em licitações cujos objetos constituam aquisição de bens ou a prestação de serviços considerados comuns. Diante disso, a priori, as obras e serviços de engenharia não poderiam ser licitados da modalidade de pregão, porquanto, normalmente, possuem natureza complexa.
O QUE SÃO SERVIÇOS DE ENGENHARIA?
Antes de adentrar ao mérito do tema proposto, porém, necessário trazer a baila o que se entende por serviços de engenharia. Neste particular, a Lei n.° 8.666/93, intitulada Lei de Licitações e Contratos, definiu o que deve ser entendido por serviço, senão vejamos:
Art. 6o Para os fins desta Lei, considera-se:
(...)
II - Serviço - toda atividade destinada a obter determinada utilidade de interesse para a Administração, tais como: demolição, conserto, instalação, montagem, operação, conservação, reparação, adaptação, manutenção, transporte, locação de bens, publicidade, seguro ou trabalhos técnico-profissionais;
Especificamente em relação a “serviços de engenharia”, colhe-se da brilhante definição dada pelo Professor Jorge Ulisses Jacoby Fernandes[1]:
É bom lembrar que a Resolução nº 218 do CONFEA é muito abrangente, permitindo amplamente as contratações. Por esse motivo, no desempenho de nossas funções institucionais temos entendido que os serviços de engenharia, objeto da aplicação do inciso I do art. 24 da Lei nº 8.666/93 são todos aqueles que a lei exige sejam assinados por engenheiro, dentre aqueles declarados privativos da profissão pela legislação regulamentadora respectiva; além do que, sua execução deve estar voltada para bens imóveis, i.e., a execução e/ou instalação incorporáveis ou inerentes ao imóvel; e os outros serviços, objeto da aplicação do inciso II do art. 24 da Lei 8.666/93, são todos os serviços discriminados no próprio texto do dispositivo inquinado, com sua execução voltada precipuamente para os bens móveis, ainda que já instalados e incorporados a um bem imóvel, além de outros que, embora não descritos expressamente, possam suscitar alguma dúvida sobre seu efetivo enquadramento. <grifei>
Por lógica, pode-se concluir que serviços de engenharia são aqueles que necessitam da intervenção de engenheiro, de acordo com a legislação regulamentar da profissão.
O QUE A LEI DEFINE COMO OBRA?
Igualmente, a conceituação de obra também foi tratada de forma especial pela legislação especial, conforme se verifica no inciso I, do dispositivo legal acima sufragado:
(...)
I - Obra - toda construção, reforma, fabricação, recuperação ou ampliação, realizada por execução direta ou indireta;
Resta claro, pois, que ambos os institutos não se confundem.
É POSSÍVEL A CONTRATAÇÃO DE OBRAS POR MEIO DE PREGÃO?
Como visto, não se pode confundir “serviços de engenharia” com “obras”, uma vez que tratam-se de institutos distintos. Nesse sentido, a Lei n.° 10.520/2002 permitiu, tão somente, a contratação de bens e serviços comuns, restando silente no tocante a obras, levando a concluir que não é possível a sua utilização para tal. Acerca do tema, colaciona-se o entendimento o jurista Jorge Ulisses Jacoby Fernandes[2]:
“(...) a Lei nº 10.520/2002 estabelece que o pregão pode ser utilizado para a contratação de bens e serviços comuns. Excluída está, portanto, a contratação de obra, por mais comum que seja.” <grifei>
Assim, conclui-se pela impossibilidade de utilização da modalidade de pregão para realização de obras, uma vez que, nos termos do art. 1° da Lei n.° 10.520/2002, esta modalidade é aplicável tão somente a bens e serviços comuns.
É POSSÍVEL A CONTRATAÇÃO DE SERVIÇOS DE ENGENHARIA POR MEIO DE PREGÃO?
A Lei n.° 10.520/2002 em momento algum vedou a utilização da modalidade de pregão para a realização de serviços de engenharia, limitando-se, conforme já exposto, apenas na figura do objeto da licitação como bens e serviços comuns.
Neste ponto, não podemos deixar de citar o Decreto n.° 3.555/2000, o qual regulamentou a Medida Provisória n.° 2.026-3 (posteriormente “transformada” na Lei n.° 10.520/2002), o qual veda expressamente a contratação de serviço de engenharia por meio do pregão. Não obstante a vedação, o TCU já se manifestou a respeito, por meio do voto do Ministro Valmir Campelo, o qual afirmou que o referido Decreto, por si só, não reúne força para criar tal restrição, já que não pode contrariar aquilo que dispõe a lei. Senão vejamos:
“… Como se vê, a Lei nº 10.520, de 2002, não excluiu previamente a utilização do Pregão para a contratação de obras e serviços de engenharia. O que exclui essas contratações é o art. 5º do Decreto 3.555, de 2000. Todavia, o item 20 do Anexo II desse mesmo Decreto autoriza a utilização do Pregão para a contratação de serviços de manutenção de imóveis, que pode ser considerado serviço de engenharia. Examinada a aplicabilidade dos citados dispositivos legais, recordo que somente à lei compete inovar o ordenamento jurídico, criando e extinguindo direitos e obrigações para as pessoas, como pressuposto do princípio da legalidade. Assim, o Decreto, por si só, não reúne força para criar proibição que não esteja prevista em lei, com o propósito e regrar-lhe a execução e a concretização, tendo em vista o que dispõe o inciso IV do art. 84 da Carta Política de 1988. Desse modo, as normas regulamentadores que proíbem a contratação de obras e serviços e engenharia pelo Pregão carecem de fundamento de validade, visto que não possuem embasamento na Lei nº 10.520, de 2002. O único condicionamento que a Lei do Pregão estabelece é a configuração do objeto da licitação com bem ou serviço comum…” (Acordão 817/2005 – 1ª Câmara. Rel. Ministro Valmir Campelo. Brasília, 03 de maio de 2005) <grifei>
Portanto, a vedação presente no citado decreto não mais subsiste. Para que não restassem maiores discussões, o TCU editou a Súmula 257/2010, com a seguinte redação: “O uso do pregão nas contratações de serviços comuns de engenharia encontra amparo na Lei nº 10.520/2002″. <grifei>
O QUE SE ENTENDE POR SERVIÇOS DE ENGENHARIA COMUNS?
Superada a discussão acerca da possibilidade de contratação de serviços de engenharia comuns por meio da modalidade de Pregão, como identificar qual serviço de engenharia se enquadra no conceito legal trazido pelo art. 1º da Lei n.° 10.520/2002?
Sobre a definição do que é “bem e serviços comum”, colhe-se do entendimento do mestre Marçal Justen filho[4]:
“bem ou serviços comum é aquele que se encontra disponível a qualquer tempo num mercado próprio e cujas características padronizadas são aptas a satisfazer as necessidades da Administração Pública” (in Pregão – Comentários à Legislação do Pregão Comum e Eletrônico, 5º Ed, São Paulo: Dialética, 2009. p. 37).
Especificamente em relação a serviços de engenharia comum, novamente citando o professor Jorge Ulisses Jacoby Fernandes[3], assim o conceituou:
(...) as características, quantidades e qualidades forem passíveis de “especificações usuais no mercado;
(...) mesmo que exija profissional registrado no CREA para execução, a atuação desse não assume relevância, em termos de custo, complexidade e responsabilidade, no conjunto do serviço;
Importante salientar que a identificação do serviço de engenharia como sendo ou não comum depende de uma análise criteriosa do caso específico, cabendo ao administrador público fazer tal análise, assistido por profissional correlato ao setor técnico do respectivo órgão, se houver a necessidade.
VINICIUS BRANDALISE
Bacharel em Direito pela Universidade do Planalto Catarinense (UNIPLAC/SC), Advogado, Sócio do Escritório Brandalise & Pitrez Advogados (Lages/SC), especialista em Direito Público pela Universidade Anhanguera-Uniderp (MS), Membro titular do Conselho Municipal de Políticas Culturais. Assessor Jurídico do Município de Lages.
NOTAS
[1] FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Contratação Direta Sem Licitação. 5. ed. Brasília: Brasília Jurídica, 2000. p. 292.
[2] FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Sistema de registro de preços e pregão presencial e eletrônico, 3. ed. rev., atual. e ampl. 1. reimpressão. Belo Horizonte: Fórum, 2009, pag. 419.
[3] Op. Cit. 2, pag. 429.
[4] JUSTEN FILHO, Marçal. Pregão – Comentários à Legislação do Pregão Comum e Eletrônico, 5º Ed, São Paulo: Dialética, 2009. p. 37.
[5] Op. Cit. 2, pag. 429.




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