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É POSSÍVEL A PRORROGAÇÃO DE CONTRATOS DE FORNECIMENTO DE NATUREZA CONTÍNUA NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA?

  • Foto do escritor: Vinicius Brandalise
    Vinicius Brandalise
  • 24 de jul. de 2019
  • 6 min de leitura

Atualizado: 25 de mai.

Palavras Chave: Prorrogação. Fornecimento contínuo. Créditos Orçamentários. Contratos Administrativos. Vigência. Aplicação Extensiva. Licitação.


Sumário: Introdução. 1. Da Vigência dos Contratos Administrativos. 2. Dos serviços contínuos. 3. Da prorrogação dos Contratos Administrativos – Serviços X Fornecimento contínuo. Conclusão.

INTRODUÇÃO


O presente trabalho tem por objetivo verificar a possibilidade de os gestores públicos realizarem a prorrogação de contratos de fornecimento de natureza contínua, tendo por fundamento a aplicação extensiva do art. 57, II, da Lei n.º 8.666/93.

1. DA VIGÊNCIA DOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS



O caput do artigo 57 da Lei nº 8.666/93 é claríssimo ao prescrever que a duração dos contratos administrativos é limitada à vigência dos respectivos créditos orçamentários. Como sabido, a contratação pública pressupõe previsão orçamentária.


Tal previsão possui estreita relação com o que dispõe o art. 167 da CF/88, que consagrou inúmeras vedações à criação de despesas ao erário, exigindo-se, pois, previsão orçamentária dos recursos suficientes para a satisfação das obrigações (inc. I), vedando-se que o montante das despesas previstas supere o valor dos créditos orçamentários (inc. II)[i].


Mas há a possibilidade de alguns empreendimentos superarem o prazo de vigência da lei orçamentária. Nesse sentido, o §1º do dispositivo constitucional citado assegurou:


(...)

§ 1º Nenhum investimento cuja execução ultrapasse um exercício financeiro poderá ser iniciado sem prévia inclusão no plano plurianual, ou sem lei que autorize a inclusão, sob pena de crime de responsabilidade.


Para Marçal Justen Filho, “(...) seria inútil submeter à instauração da licitação e a formalização da contratação à existência de previsão de recursos orçamentários se fosse facultado à Administração promover avença com prazo de vigência mais delongado. Logo, o disposto no caput do art. 57 apenas complementa uma disciplina que apresenta importância nuclear da atividade administrativa”[ii].


Importante destacar, por oportuno, que é expressamente vedado pelo §3º do art. 57 da intitulada Lei de Licitações a contratação com prazo de vigência indeterminado.


Pois bem.


A Lei 4.320/64, a qual estabeleceu Normas Gerais de Direito Financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal, especificamente no artigo 34, dispõe que “o exercício financeiro coincidirá com o ano civil”, ou seja, inicia-se em 1º de janeiro e encerra-se em 31 de dezembro do respectivo ano.


Essa regra possui exceções, as quais estão preceituadas nos incisos I, II, IV e V do artigo 57 da Lei nº 8.666/93, contudo, por não ser esse o tema proposto no presente trabalho, passa-se a discorrer sobre a possibilidade ou não de prorrogar contratos de fornecimento contínuos.



2. DOS SERVIÇOS CONTÍNUOS



A possibilidade de prorrogação dos serviços a serem executados de forma contínua encontra-se positivado no inciso II do art. 57 da Lei nº 8.666/93, senão vejamos:


Art. 57. A duração dos contratos regidos por esta Lei ficará adstrita à vigência dos respectivos créditos orçamentários, exceto quanto aos relativos:

(...)


II - à prestação de serviços a serem executados de forma contínua, que poderão ter a sua duração prorrogada por iguais e sucessivos períodos com vistas à obtenção de preços e condições mais vantajosas para a administração, limitada a sessenta meses;

(...)



Contudo, a legislação em nenhum momento conceituou a expressão “serviços contínuos”. Diante desta omissão no texto legal, o conceito então ficou a cargo da doutrina e jurisprudência, onde chegou-se a um consenso de que serviços contínuos são aqueles onde haja a demonstração de sua essencialidade e habitualidade para o ente público.


A essencialidade nada mais é que a necessidade de determinados serviços para o Poder Público, cuja solução de continuidade pode acarretar prejuízos ao exercício das atividades administrativas e, por corolário, aos próprios administrados.


No tocante a habitualidade, está pode ser definida como a necessidade permanente de determinados serviços.

Além destes dois requisitos, necessário também que seja demonstrada a vantajosidade na prorrogação, ou seja, a dilatação do contrato deve ser mais vantajosa que a realização de novo certame licitatório.


A título de exemplo, destacam-se alguns serviços que são reconhecidos como contínuos pelo TCE/SC:


"Os serviços de publicidade do Poder Público podem ser classificados em legal (obrigatória) e institucional (divulgação de atos e ações da Administração) e lhes ser conferido caráter de serviços contínuos, aplicando-se o disposto no art. 57 da Lei nº 8.666/93. (...)" (Prejulgado 1359)


"(...) 2. Os serviços de reciclagem, triagem e compostagem de lixo, tendo em vista sua necessidade pública permanente, são considerados de natureza continuada ao teor do que dispõe o art. 57, II, da Lei Federal nº 8.666/93." (Prejulgado 1615)


"O transporte escolar, dada a sua essencialidade e necessidade pública permanente, possui natureza de serviço a ser executado de forma contínua, ao teor do que dispõe o art. 57, II, da Lei Federal nº 8.666/93." (Prejulgado 1833)

"Nos contratos de prestação de serviços de natureza continuada ou aluguéis, em que se aplica o art. 57, II e IV, da Lei Federal nº 8.666/93, a escolha da modalidade deve levar em consideração o total da contratação, incluídas as possíveis prorrogações previstas no edital e na minuta do contrato." (Prejulgado 1354)


"Os contratos firmados por Sociedade de Economia Mista visando ao fornecimento de vales-alimentação (refeição) podem ser prorrogados na forma do art. 57, II, da Lei Federal n. 8.666/93." (Prejulgado 1412)


"Serviços de assistência médico-hospitalar podem ser enquadrados como de natureza contínua para os fins do artigo 57 da Lei n° 8.666/93. Os contratos de prestação de serviços de natureza contínua admitem prorrogações nos termos da Medida Provisória n° 1.531-4, de 26 de março de 1997, que altera a Lei n° 8.666/93, desde que expressamente previsto no instrumento convocatório da licitação e no contrato." (Prejulgado nº 425)


Destaca-se, por oportuno, que para os serviços serem considerados contínuos, não basta que a execução seja permanente, ela deve ser, também, essencial para as atividades administrativas.



3. DA PRORROGAÇÃO DOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS – SERVIÇOS X FORNECIMENTO CONTÍNUO



Conforme tratado no tópico anterior, a prorrogação dos contratos administrativos cujo objeto é a prestação de serviços contínuos não gera maiores discussões acerca da possibilidade de dilatação, por se trata de matéria tipificada.


A questão a ser enfrentada no presente trabalho é a possibilidade ou não da prorrogação de contratos cujo objeto é o fornecimento de bens de forma contínua. A discussão surge da aplicação extensiva do inciso II do art. 57, ao considerar fornecimento contínuo equivalente a serviços a serem executados de forma contínua.


Alguns Tribunais de Contas pátrios vem admitindo a prorrogação de contratos de fornecimento contínuo com base no disposto legal acima sufragado, a exemplo do TCE/SP, vide Consulta TC 000178/026/06, do TCE-SP.


A Corte de Contas da União vem admitindo esta interpretação de forma excepcional, conforme colhe-se do Acórdão n° 766/2010 – Plenário, cuja parte dispositiva colaciona-se abaixo:


Acórdão

ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em Sessão Plenária, ante as razões expostas pelo Relator, em:


9.3. admitir, em caráter excepcional, com base em interpretação extensiva do disposto no inciso II do artigo 57 da Lei n.º 8.666, de 21 de junho de 1993, que as contratações para aquisição de fatores de coagulação sejam consideradas como serviços de natureza contínua.” (Destacamos).


Contudo, com a maxima venia, não compactuo deste entendimento, uma vez que a diferenciação entre os dois institutos é simples e bastante clara: (a) serviços importam obrigações de fazer; (b) compras importam em obrigação de dar. Neste sentido, frente ao princípio da legalidade, pode-se afirmar com precisão que não existe previsão legal a autorizar a prorrogação de contratos de fornecimento, mesmo sendo eles considerados de natureza contínua.


Além disso, o fornecimento em si não é projeto previsto nas metas do plano plurianual, conforme o inciso I do artigo 57 da Lei nº 8.666/93. Em segundo lugar, fornecimento não é serviço e, pois, por lógica, não pode ser qualificado como serviço contínuo, conforme o inciso II do artigo 57 da Lei nº 8.666/93.



CONCLUSÃO



Em vista do o exposto, ainda que hajam algumas decisões a autorizar a prorrogação de contratos de fornecimento de natureza contínua, estas são excepcionais, devendo, a meu ver, ser aplicado o entendimento de que não se pode prorrogar tais instrumentos para além do exercício orçamentário, diante da ausência de previsão legal.




VINICIUS BRANDALISE

Possui graduação em DIREITO pela Universidade do Planalto Catarinense (2008). Pós-Graduação em Direito Público pela Universidade Anhanguera - Uniderp (2010). Advogado, Palestrante e Parecerista. Consultor Jurídico do Município de Lages-SC com atuação exclusiva na Pasta de Licitações e Contratos (2013-2019). Membro titular do Conselho Municipal de Política Cultural de Lages (2017-2019). Atualmente é Procurador-Geral do Município de Vargem-SC e membro da Comissão de Procuradores Municipais da Ordem dos Advogados do Brasil - Seccional de Santa Catarina. Ampla experiência no ramo do Direito Público. Sócio do Escritório Brandalise & Pitrez Advogados.



NOTAS



[i] JUSTEN FILHO, Marçal.Comentários à lei de licitações e contratos administrativos – 15. Ed. São Paulo : Dialética, 2012, p. 829.


[ii] Cf. JUSTEN FILHO, Marçal. Op., cit., p. 829-830.


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