ORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA - INICIATIVA PRIVATIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO?
- João Batista Oliveira de Lima
- 10 de set. de 2019
- 4 min de leitura
O presente artigo, inserido na área do Direito Constitucional, busca aguçar a curiosidade do leitor sobre ponto específico da iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo, isso quanto a produção de leis que tratem da organização administrativa, destacando a divergência existente sobre a possibilidade de lei oriunda do Poder Legislativo, ainda que de maneira restrita, também poder tratar do tema, isso sem incorrer em vício formal de iniciativa.
De fato, neste abreviado estudo, não se pretende esgotar o assunto em questão, mas sim despertar os interessados para a existência de uma nova interpretação da matéria, a qual é de inegável relevância, tanto no campo jurídico quanto no campo político, senão vejamos.
O processo legislativo é compreendido como o conjunto de regras concatenadas que disciplinam o procedimento a ser observado, pelos órgãos competentes, durante o ato de elaboração das mais variadas espécies normativas, sendo que a inobservância dos seus preceitos pode resultar na ocorrência de inconstitucionalidade formal, a qual se traduz na produção de lei ou ato normativo por autoridade incompetente ou que esteja em desacordo com as formalidades previstas na constituição.
Em se tratando de iniciativa privativa, que representa a reserva e a exclusividade de determinado órgão ou pessoa na deflagração do processo legislativo, necessário se faz compreender a melhor interpretação daquilo que restou reservado pela Constituição da República ao Chefe do Poder Executivo.
O § 1º, do art. 61, da CRFB, em seus incisos e alíneas, destaca quais são as matérias de iniciativa privativa do Presidente da República, ao mesmo tempo em que as constituições dos Estados e as leis orgânicas dos Municípios, por força da simetria obrigatória com a Constituição da República, também dispõem sobre os assuntos de atribuição exclusiva dos Governadores e Prefeitos.
Em linhas gerais, não se verifica controvérsia quanto a competência do Chefe do Poder Executivo no que se refere a iniciativa de leis que tratem sobre criação de cargos, empregos e funções públicas, bem como regime jurídico de servidores públicos e criação e extinção de órgãos da administração, contudo, há que se registrar a ocorrência de divergências no que se refere a competência daquele para legislar com exclusividade sobre matérias que versam sobre organização administrativa, isso quando estas tem origem no parlamento, assunto este que é objeto de inúmeros vetos a projetos de lei que tratam do tema, ou seja, que de algum modo interferem na administração da coisa pública.
O que se discute, em síntese, é que a reserva de iniciativa do Chefe do Poder Executivo alusiva à organização administrativa, prevista no art. 61, § 1º, II, “b”, da CF, diz respeito apenas aos Territórios Federais, conforme entendimento já manifestado no Supremo Tribunal Federal (STF), não havendo, portanto, vedação para que as casas legislativas (Senado, Câmara dos Deputados, Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais) possam criar projetos de lei tratando de temas relativos a alguns aspectos da rotina administrativa do Poder Executivo, excetuadas as matérias específicas previstas nas alíneas “a”, “c” e “e”, do art. 61, § 1º, II, da CF, que tratam da criação de cargos, aumento de remuneração, servidores públicos, regime jurídico e criação e extinção de órgãos.
Importante destacar, que em 29/09/2016, o STF, em Plenário Virtual, resolveu o Tema nº. 917 de Repercussão Geral, isso no julgamento do ARE nº. 878.911 RG/RJ, da relatoria do Ministro Gilmar Mendes, decidindo que não usurpa a competência privativa do Chefe do Poder Executivo lei que, embora crie despesa para a administração pública, não trata da sua estrutura ou da atribuição de seus órgãos nem do regime jurídico de servidores públicos.
Recurso extraordinário com agravo. Repercussão geral. 2. Ação Direta de Inconstitucionalidade estadual. Lei 5.616/2013, do Município do Rio de Janeiro. Instalação de câmeras de monitoramento em escolas e cercanias. 3. Inconstitucionalidade formal. Vício de iniciativa. Competência privativa do Poder Executivo municipal. Não ocorrência. Não usurpa a competência privativa do chefe do Poder Executivo lei que, embora crie despesa para a Administração Pública, não trata da sua estrutura ou da atribuição de seus órgãos nem do regime jurídico de servidores públicos. 4. Repercussão geral reconhecida com reafirmação da jurisprudência desta Corte. 5. Recurso extraordinário provido. (ARE nº. 878911 RG, do Rio de Janeiro, rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 29/09/2016).
De fato, de acordo com o aludido julgado do STF, tem-se claro que leis que geram despesa não são necessariamente de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo, bem como que não há invasão da iniciativa reservada a este quando se tratar de lei que busque, de forma direta, concretizar direitos fundamentais do cidadão, mesmo que de algum modo acabe interferindo, de maneira limitada, na organização administrativa.
Necessário registrar, que a partir do julgamento do ARE nº. 878.911, os tribunais estuais, como o de Santa Catarina, deram início aos movimentos de alteração de entendimento sobre o tema, modificando paulatinamente suas jurisprudências, com análise caso a caso da aplicação da nova compreensão, sendo que ainda permanece a divergência de entendimento de alguns órgãos julgadores.
Com efeito, considerando esta realidade jurídica, amparado por recente julgado do STF, tem-se claro que há sensível mudança na interpretação do § 1º, do art. 61, da CRFB, notadamente relacionada ao que é privativo do Poder Executivo no campo da organização administrativa.
Diante desse fato, tem-se como prudente que as Casas Legislativas passem a analisar o tema sob esta nova perspectiva jurisprudencial, a qual estabelece, com certa segurança, verdadeira ampliação do poder parlamentar de legislar, não sendo nenhum absurdo cogitar, inclusive, a modificação das Constituições Estaduais e Leis Orgânicas Municipais que contenham em seus bojos previsões de que a organização administrativa é matéria de competência privativa do Chefe do Poder Executivo, isso por força de uma leitura aparentemente equivocada do art. 61, § 1º, II, “b”, da CRFB.
JOÃO BATISTA OLIVEIRA DE LIMA
Advogado inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional de Santa Catarina. Graduado em Direito pela Universidade do Planalto Catarinense – UNIPLAC (2010). Especializando em Direito Constitucional na Faculdade Damásio de Jesus. Assessor da Procuradoria Geral do Município de Lages/SC (2016). Assessor Parlamentar da Câmara do Município de Lages/SC (2017-2019). Membro da Comissão de Direito Eleitoral da Ordem dos Advogados do Brasil – Subseção de Lages/SC
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